A morte, com sua implacabilidade, retira de nossos olhos os óculos que falseiam a visão do universo criado e do relacionamento de cada um de nós com o próximo e com Deus. No dia do Juízo “nada há encoberto que não seja revelado, e nada há escondido que não seja conhecido”.
A verdade, é perene. A mentira, os sonhos fantasiosos, as desconfianças infundadas e outros delírios do gênero têm curta duração; o tempo se encarrega de apagar sua lembrança.
Todavia, apesar da verdade gozar de sólida estabilidade, às vezes não é fácil discerni-la. Em virtude do nosso senso do ser, nós a procuramos noite e dia sem cessar, e às vezes não a encontramos porque nosso egoísmo, ou nosso amor próprio, ou nossas paixões desordenadas se interpuzeram como obstáculo. Quando a fé não ilumina a razão, e esta não orienta retamente a vontade, criamos critérios próprios, carregados de cores desproporcionadas que, com maior ou menor intensidade, alterarão a objetividade da verdade. Por outro lado, pelo desvario de nossos prazeres, apetências e imaginações, modelamos segundo as leis da mentira tudo aquilo que ilusoriamente o capricho nos apresenta como eterna felicidade.
Naquele tempo, disse Jesus a seus Apóstolos: “Não tenhais medo dos homens, pois nada há encoberto que não seja revelado, e nada há de escondido que não seja conhecido”. (Mt 10,26-33)
Jesus envia seus discípulos em missão e profetiza as perseguições que por causa d’Ele sofrerão. Por isso recomenda-lhes confiarem em seus conselhos, como, por exemplo, o de serem perseverantes e destemidos na pregação do Evangelho, pois serão amparados e protegidos pelo Pai que está nos Céus, sobretudo no tocante à salvação eterna.
“O que vos digo na escuridão, dizei-o à luz do dia: o que escutais ao pé do ouvido, proclamai-o sobre os telhados”.
Jesus usou essas figuras da vida comum e corrente naqueles tempos para ilustrar qual seria a disposição de alma dos discípulos, ao exercerem o ministério do Evangelho.
“Não tenhais medo daqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma! Pelo contrário, temei aquele que podem destruir a alma e o corpo no inferno!”
Os judeus ortodoxos, contrariamente aos saduceus, acreditavam na imortalidade da alma e, por tal motivo, comenta São João Crisóstomo: “Vede como também aqui o Senhor não lhes promete livrá-los da morte. Ele permite que morram, contudo lhes faz maior benefício que se não houvesse permitido. Porque muito mais do que livrá-los da morte é persuadi-los a que desprezem a morte. Assim, não os lança temerariamente aos perigos, mas os faz superiores a todo perigo.
“Não se vendem dois pardais por algumas moedas? No entanto, nenhum deles cai no chão sem o consentimento do vosso Pai”.
A moeda que Ele se refere era o asse, a menor moeda usada pelos romanos. Cunhada em bronze, valia a décima sexta parte de um denário. Portanto, além de não ser judaica, tinha valor real insignificante. Dois passarinhos valiam tão pouco que eram vendidos por esse preço irrisório e, todavia, necessitavam do consentimento do Pai para serem mortos.
“Quanto a vós, até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados. Não tenhais medo! Vós valeis mais do que muitos pardais”.
O objetivo dessas duas comparações feitas por Jesus é ressaltar o grande carinho e cuidado da Providência Divina para com suas criaturas. Se passarinhos e cabelos são tratados com esse cuidado por Deus, quanto mais se preocupará Ele em proteger seus discípulos que estão sendo enviados para pregar sobre o Reino!
“Portanto, todo aquele que se declarar a meu favor diante dos homens, também Eu Me declararei em favor dele diante do meu Pai que está nos Céus. Aquele, porém, que Me negar diante dos homens, também Eu o negarei diante do meu Pai que está nos Céus”.
São bem conclusivas estas duas promessas de Nosso Senhor, em face da glória futura ou do castigo. Nesse panorama futuro e eterno devem estar fixados os nossos olhos, e não nas delícias e brilhos transitórios desta vida. Nem falemos do pecado, porque ele terá como consequência imediata a frustração, e o fogo do inferno após a morte.
As dores, angustias e dramas pelos quais passamos durante nossa existência terrena nada são em comparação com o prêmio dos justos, conforme garante São Paulo: “Tenho para mim que os sofrimentos da presente vida não tem proporção alguma com a glória futura que nos deve ser manifestada”. (Rm 8, 18)
Resta-nos lembrar o indispensável papel de Maria na nossa salvação. Pois assim como Jesus veio a nós por Maria, é também por meio d’Ela que obteremos as graças necessárias para sermos outros Cristos e alcançarmos a vida eterna.