Esta é utopia evangélica que o Sermão da Montanha nos propõe: o amor a todos, incondicionalmente, assim como é o amor de “vosso Pai do Céu, pois Ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos” v. 45. O amor não tem limites, como não tem limites a perfeição à qual o cristão tem que aspirar: “Sedes perfeitos, assim como vosso Pai celeste é perfeito” v. 48. É um amor que não pode ficar reservado ao círculo dos mais próximos, àqueles de meu grupo ou aos que mais me amam, mas que deve atingir inclusive os inimigos. É um amor sem fronteiras e somente pode ser entendido como expressão do amor de Deus, que é para todos. Imitando Deus desta maneira, poderemos criar uma sociedade justa, radicalmente nova. ( Mt 5, 38-48)
“Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: Vós ouvistes o que foi dito: Olho por olho e dente por dente! Eu, porém vos digo: Não enfrenteis quem é malvado! Pelo contrário, se alguém te dá um tapa no face direita, oferece-lhe também a esquerda”.
O Redentor veio implantar uma mentalidade nova. Ele quer que o egoísmo seja eliminado de nosso interior, a ponto de não reagirmos por amor-próprio quando alguém nos ofender ou esbofetear injustamente, mas considerarmos, antes de tudo, o ultraje feito pela violação dos seus Mandamentos.
“Se alguém quiser abrir um processo para tomar a tua túnica, dá-lhe também o manto”.
Naquele tempo era comum a posse de várias túnicas, mas só um ou dois mantos. Este último era reputado como indispensável, o traje por excelência, mais valioso que a própria túnica.
“Se alguém te forçar a andar um quilometro, caminha dois com ele!”
As vezes, os soldados romanos ou outros funcionários do governo, requisitavam a ajuda de alguém para lhes servir de guia ou outro trabalho, como aconteceu a Simão de Cirene, “que voltava do campo, e impuseram-lhe a Cruz para que a carregasse atrás de Jesus”( Lc23,26 ). Naturalmente, quando um imprevisto semelhante ocorria, muitos se queixavam e até se recusavam a atender ao pedido. Para nos ensinar o valor da caridade, diz Nosso Senhor: “Caminha dois quilômetros com ele!”. Ou seja, desde que esteja ao seu alcance, faça de bom grado até mais do que lhe for solicitado.
“Dá a quem te pedir e não vires as costas a quem te pede emprestado”.
Então, como deve ser interpretado este versículo? É preciso que nós cedamos sempre e demos tudo que nos pedirem? Se este princípio fosse transformado em lei, a sociedade tornar-se-ia um caos em razão de incontáveis abusos. Não pode ser esta, portanto, a intenção de Nosso Senhor. Deseja Ele que nos esqueçamos de nós mesmos, preocupando-nos com as privações alheias, e que estejamos limpos de qualquer interesse e pragmatismo. Pelo contrário, o egoísta, aquele que vive fechado em si, jamais toma a iniciativa de auxiliar o necessitado, e se alguém lhe implora um favor, logo procura esquivar-se.
“Vós ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo”.
Quando, posto à prova, o Divino Mestre perguntou ao doutor da Lei o que nela estava escrito (Lc 10, 25-26), este logo respondeu da maneira acertada, citando os Livros do Deuteronômio e do Levítico: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo coração, de toda tua alma, e de todas as suas forças” e a “teu próximo como a ti mesmo. Conheciam os judeus perfeitamente o preceito do amor universal, todavia, consideravam como “próximos” apenas seus compatriotas, enquanto os gentios e os pagãos eram tidos como inimigos, merecedores de desprezo e ódio.
“Eu, porém, vos digo: Amai vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem”.
Segundo a Nova Lei, os discípulos daquele que é “manso e humilde de coração” (Mt 11,29) não deverão amar menos os que os aborrecem, perseguem e caluniam do que os que os estimam, exaltam e abençoam. Se queremos ser filhos de Deus, precisamos ter uma completa isenção de ânimo em relação aos inimigos e rezar por eles. A glória de Deus exige que procuremos fazer o possível para conversão de todos, imitando o sublime exemplo de Jesus no alto da Cruz. Qual foi sua primeira palavra, pronunciada em relação aos que O crucificaram? “Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34).
“Assim, vos tornareis filhos do vosso Pai que está nos Céus, porque Ele faz nascer o Sol sobre os maus e os bons e faz cair a chuva sobre os justos e injustos”.
Assim como o Pai que está nos Céus “faz cair a chuva sobre os justos e os injustos”, Também derrama suas graças sobre todos, inclusive sobre os miseráveis e malfeitores. Deus criou os Anjos e os homens com o intuito de terem parte em sua felicidade absoluta. Tão grande é seu amor por nós e seu desejo de salvar-nos, que enviou seu Filho Unigênito e eterno a fim de Se encarnar e suportar os tormentos da Paixão para redimir o gênero humano e lhe abrir as portas do Céu.
“Porque se amais somente aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Os cobradores de impostos não fazem a mesma coisa? E se saudais somente os vossos irmãos, o que fazeis de extraordinário? Os pagãos não fazem a mesma coisa”?
Para podermos calcular a indignação dos fariseus por serem comparados aos pagãos e cobradores de impostos, considerados tão desprezíveis, basta recordar a oração de um deles no Templo: “Graças Te dou, ó Deus, que não sou como os demais homens: ladrões, injustos, adúlteros; nem como o publicano que está ali” (Lc 18, 11). A insuperável didática do Divino Mestre nos leva a compreender facilmente através destas duas confrontações que amar os amigos e benfeitores nada tem de extraordinário. O mérito está em querer o bem até dos que nos atacam, roubam ou injuriam.
“Portanto, sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito”.
Jesus formula, com uma clareza pura, a meta e o objetivo de nossa vida: imitar o Pai celeste, modelo absoluto de santidade, adequando a Ele nossa mentalidade, inclinações e desejos.
A vida sobrenatural em nós é passível de crescimento, na medida em que rezemos, nos esforcemos na prática da virtude, evitando ocasiões de pecado e frequentemos os Sacramentos da Igreja. Mais que em outras épocas históricas, vivemos cercados de perigos que ameaçam a nossa perseverança. Para resistir a todas as essas solicitações do maligno, do mundo e da carne, é indispensável alimentar um grande desejo de alcançar o heroísmo da perfeição.
Ao admirar tais fatos, não podemos nos esquecer de que o verdadeiro heroísmo da virtude é inseparável da entrega completa nas mãos de Deus, tendo consciência de que qualquer ato bom vem da graça, e não da natureza humana. Nós também somos chamados a seguir este caminho: ser perfeitos como deseja o Pai celeste, cujo auxílio para tal não nos há de faltar!